ORÁCULO DAS CALÇADAS
Como impor surpresa
a essa ginástica
que deflagra o dia
Como impor surpresa
às mãos que são
mãos de despertar,
como um acidente no ermo.
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O Homem sai lapidando
as arestas das pedras
que calçam seus passos
(poderia ser maior
a surpresa se o Nada
fosse acontecer)
♠
Que buscasse antecipar
a fábula a que pertence,
o Homem que anda
(como se andar fosse
cerzir as bordas de um poço).
A fábula se faz no homem,
e o Homem é pontual na morte,
como a chuva prevista
e o placar do jogo.
♠
Seria surpresa deflorar
as horas que criou,
o homem que anda:
A areia é aleatória
à sua queda:
mais dói o músculo
que não quebra.
♠
O Homem adivinha sua surpresa
no lapidar ininterrupto
do dia-a-dia
(inverter a ordem
é surpreender quem volta).
♠
Andou o Homem,
como uma nuvem
de vento escolhido,
Mas a surpresa quer ser
a linha indistinta
que cruza o caminho do porvir.
Não silencia, e faz duvidar,
como um cavalo em chamas
que proclama o amanhecer.
Quer ser rio, desespero,
desconforto, descompasso.
Tal bêbado jogado
ao destino das calçadas:
Como um grito no espaço!
in O Maquinista Daltônico (2007)
(*) 1º lugar no VI Concurso Aureliano Figueiredo Pinto – Santiago/RS – 2005