PARA UMA NOVA DIDÁTICA DO OLHAR
O PICADEIRO DA ESPERA
No circo a fila
e seus ares de infinito
separava em 10 metros o corpo
do sonho.
Aquele mínimo papel
nas mãos do menino
era mais que signos,
era um punhal.
Poderia furar o bojo da espera,
adentrar no reino mágico
do faz-de-conta.
Enquanto isso,
era um beduíno
que tinha certeza que lá na frente
aquele oásis não era apenas
um delírio de sua sede.
DO ESPETÁCULO DA CAUTELA
Sentado à primeira fila
o menino riscava a órbita imaginária
em seu trapézio,
fazia piruetas e raios
para a sua matemática.
Delimitava o céu
à circunferência da lona,
discordava do colorido
entre nuvens e estrelas.
Quando entravam os cavalos,
de rompante, subia aos últimos bancos:
Pois que talvez algum deles – desavisado –
viesse a jogar barro em sua roupa de domingo.
O ENCANTADOR DE NUVENS
Espreitando espaços
o pipoqueiro avança
trincheiras brandas.
- Pipoca! Pipoca!
Eis a sereia de cantar algodão
de boca, com flauta doce.
Encantado, saía do circo,
e voava até o sítio do avô.
Os cabelos brancos dele
quando se perderam no algodoal,
trouxeram o pânico,
o corpo de bombeiros
e os vizinhos curiosos.
Deitado na grama, alheio ao vozeio,
o menino acenava para o avô,
que fazia cambalhotas entre as nuvens.
O CRIME PERFEITO
Foi o primeiro crime
que fora testemunha:
A mulher esfaqueada
e após partida ao meio.
Todo o terror do sublime
penetrando o gume
nas entranhas de seus olhos.
E era tão embotado o sujeitinho
em seu fraque e cartola,
bigode dos que a gente
pinta em candidatos nos santinhos.
O menino já se preparava para correr
em busca de socorro,
quando a moça recompôs
sua bela vida e seu sorriso.
Não bastasse, o criminoso
inventou coelhos e buquês floridos
como uma primavera.
DE MÃOS DADAS
Fui de acordar tempestades
em noites de calmaria,
de inventar motivos para dormir.
Fui sempre de meu circo
o palhaço que pintei com giz e ternura.
Fui picadeiro, fui lona.
Em boa hora: sou o homem
que o menino sonhava,
para suas viagens inventadas.
Agora me vem o tempo
pedir que fique:
Birrento,
sigo de mãos dadas
com o menino que fui:
Quero de volta a didática do olhar,
a circunferência das manhãs.